Sexta-feira, 17 de Junho de 2011

O livro na catástrofe por Maria Alviza Seixo no JL

O último livro de Patrícia Reis apaixona. O seu desastre é deste tempo. Mas vem de manso, parece não perturbar, e perturbado está ele: um miúdo caminha ante um velho que o segue, preso à música que ele trauteia. Andam sobre escombros de um vasto desastre, a destruição da cidade, do mundo. Nada se vê nem ninguém: raros foragidos, atacantes, gente que sobrevive oculta. A composição dos capítulos (de 1. a 8., sendo 0., o primeiro, o da devastação) abre vários caminhos, é de andamento que se trata: Eduardo, velho editor, consciência solitária do flagelo, a custo “sobe escadas” (acto simbólico), “faz listas” de coisas para sobreviver (e outras: “sismo/fogo/terramoto/inundação/bomba”), recorda amigos: Sofia, Jaime e Lourenço. Relações profissionais e sexuais; peculiaridades que imergem do quotidiano banal em que todos são idênticos mas únicos. Sofia centra-os: dormira com todos, estimam-na, narra a Eduardo uma relação dúbia (amante de um homem casado que é gay) e, quando ele lhe procura a casa entre os escombros, na Av. Da República, lê um maço de cartas em que ela conta os abusos sexuais que sofreu do próprio pai.

A mansidão da escrita insinua-se para revelar e criticar sem apóstrofes, dando a sentir o que nela se chama o Mal: ameaça e corrosão interior/exterior de desmoronamentos morais e físicos, sofrimento, anulação. Nós e os outros, nós com (fora) os outros. E a história (“como se a arte fosse transformadora do real”, p.156) dá a agreste aventura de quem (se parte) e de quem fica (se fica). Mas um outro por ali (um miúdo que perdera a mãe) é descendente e continuador: Pedro caminha à frente  sobre “as rochas” e reconstruirá a comunidade e ressurreição. A comunidade nasce de um livro: um manuscrito que o velho editor só agora lê, e transmite a Pedro que  consegue imprimi-lo e difundi-lo e, integrando-o na biblioteca da avó de Eduardo, fomenta o gregarismo cultural e vivencial da nova geração.

Por Este Mundo Acima (D.Quixote, 220 pp, 14,90 euros) diz que a destruição e a necessidade. Do mal, da reconstrução, do entusiasmo. Esforçado sem ser entediante, criativo sem pretensiosismo. Dizem a catástrofe as tensões expressivas (fragmentarismo, alternâncias, mutações de perspectiva, multilinearidade do narrado que não anula a história) e intensificam o discurso. Em que o desastre pouco se deplora (lastimável é visioná-lo!) e se ultrapassa no ritmo das frases que caminham, e fazem da memória matéria de construção. Livro terrível mas reconfortante pelo seu sentido e marca estilística, na história que aflige e cativa sem nunca negligenciar a composição – ou o “coração”.

Jornal de Letras, edição de 15 a 28 de Junho de 2011


publicado por Patrícia Reis às 14:52
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Quarta-feira, 15 de Junho de 2011

Quarta feira, crítica de Maria Alzira Seixas no JL

Começa assim: "O último romance de PR apaixona". E termina: "Livro terrível mas reconfortante pelo seu sentido e marca estilística, na história que aflige e cativa sem nunca negligenciar a composição - ou o 'coração'." Página 13, o meu número da sorte.


publicado por Patrícia Reis às 21:25
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Terça-feira, 14 de Junho de 2011

Crítica de Mário Rufino no Pnetliteratura

I
“A amizade é um amor transfigurador e potente. É uma arma.”
Pag. 127
Patrícia Reis oferece-nos um livro optimista, onde a amizade é a verdadeira reconstrução num mundo destruído. No seu 6º romance, transporta-nos para um mundo pós apocalipse e arruinado em estruturas e emoções. A sobrevivência é imperiosa e o Homem regride à sua condição de animal.
Nas primeiras páginas, a autora demonstra que existem relações produtivas e explícitas (intertexto) com outros textos. Neste caso, existem relações identificadas com textos de Fausto, «Por este rio acima», e com Brecht, «Do pobre B.B.». Por ser um livro que aborda directamente o papel da literatura na sociedade, existem outras aproximações a outros autores com a subtileza exigida, ou não, pela própria autora. “Por este mundo acima” é um livro que dialoga com a literatura; não é fechado em si mesmo, mas antes abre possibilidades de leituras a outros livros. De outra forma, pode-se afirmar que existe abertura do texto ao pensamento sobre a historicidade e sociedade onde o Homem se insere e influencia.
A narração é sobretudo psicológica e não pude deixar de me lembrar de “Fome” de Knut Hamsun e de “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago (Saramago começa, no entanto, com uma impossibilidade, ao contrário de Patrícia Reis). Assim sendo, a narração ocorre na 1ª pessoa do singular. Esta perspectiva confere uma maior proximidade do leitor ao pensamento do personagem Eduardo (principal narrador). A sua visão sobre as outras personagens será a nossa, também, uma vez que não existe uma entidade omnisciente e concretizada numa 3ª pessoa. No entanto, através da estratégia narrativa de uso de cartas/apontamentos (aqui temos o diferimento da mensagem que abordaremos mais à frente) a autora dá-nos a oportunidade de estarmos mais próximos das emoções e ideias de uma entidade essencial no livro: Sofia. É sobre ela, não exclusivamente mas principalmente, que incide o espírito de tolerância das outras personagens, individualmente e como grupo. É por este meio que descobrimos os acontecimentos da sua vida que influenciaram a sua formação emocional. A aceitação das suas características e o amor que todos sentem por ela é a chave de leitura deste texto. É este tipo de amor que pode levar o Homem à sua salvação. A relação entre eles é de longa data: “ Há mais de trinta e tal anos que falamos das listas do Eduardo” pag.79. E a interdependência emocional é partilhada por todos.
Mais do que um texto musical, construído com frases mais longas interrompidas por frases mais curtas originando mudanças de ritmos, diria que o texto é, sobretudo, fílmico devido à construção de imagens fortes e sugestivas.
A nível temático, o texto relaciona-se com os factores externos (contexto) a si próprio, fundamentando a sua produção, recepção e interpretação em acontecimentos possíveis. Nunca ficamos a saber o que realmente aconteceu. Nem é importante. O que o texto nos transmite é a ruptura com um passado (contexto situacional), um apocalipse que reduz o ser humano à sua essência, ao seu instinto de sobrevivência (universo simbólico).
“O meu corpo estremece. Não o controlo. Vejo as mãos suadas e tento continuar. Sou um animal. Regresso a isso” pag. 126
“É fundamental deixar de pensar” pag.124
Posteriormente, é sobre este movimento niilista que se constrói a salvação, a aceitação e, essencialmente, a elevação do melhor do Homem: A amizade como amor, como dedicação ao próximo em detrimento das próprias necessidades (visão do mundo). Segundo Levinas, o altruísmo, a decisão de colocar o Outro em primeiro lugar pode atenuar o terror da existência. Essa é a nossa transcendência. É esse terror que existe ao longo do livro de Patrícia Reis e é o amor, composto por altruísmo e inclinação para o Outro, que o pode atenuar, sem o derrotar.
 
II
O homem constrói, permanentemente, narrativas. o Homem constrói um texto narrativo quando fala do seu percurso de vida, da história clínica, ou quando conta algo a alguém. Assim sendo, não pode viver sem a produção e recepção desses mesmos textos. Eduardo tem essa percepção e insiste, permanentemente, em recordar/narrar os acontecimentos passados e, principalmente, dar a conhecer a sua memória, os acontecimentos que o marcaram, a Pedro.
“ Ele fazia lista de livros que era importante circular. Livros luminosos que, não sendo lamechas, nos revelavam a vasta matéria dos sentimentos que definem a condição humana” pag.164
Segundo Aguiar e Silva (1990), « a narratividade encontra-se intimamente correlacionada com o conhecimento que o homem possui e elabora sobre a realidade- o Génesis pode-se considerar, sob esta perspectiva, como a narrativa paradigmática e primordial -, devendo ser sublinhado que lexemas como “narrar”, “narrativa” e “narrador” derivam do vocábulo narro, verbo que significa “ dar a conhecer”, “tornar conhecido”, o quel provém do adjectivo gnarus, que significa “sabedor”, “que conhece”, por sua vez relacionado com o verbo gnosco(pp. 201
A narração é indissociável do tempo. Uma característica interessante de “Por este mundo acima” é o facto de a narração ocorrer no futuro, no espaço de um mundo possível, viajando entre o passado (tempo presente do leitor) e o presente do narrador (tempo futuro do leitor). Entre os vários marcadores temporais que nos fornecem essa informação, além do sistema verbal, há um que pretendo sublinhar: A referência ao próprio livro de Patrícia Reis remete-nos à actualidade e indica que ele narra no futuro. E este aspecto é intrigante porque um texto escrito é uma forma de diferimento da mensagem. Através da escrita pode-se perpetuar, ou pelo menos assegurar a permanência no tempo, da mensagem. O personagem adjectiva o livro de “datado”, isto num diálogo sobre o Facebook , o MSN e o Youtube. Ou seja, podemos utilizar esta referência como “ a leitura do texto”, necessariamente mais próxima desse futuro possível; ou como a “edição do texto”, mais afastado desse futuro apocalíptico.
A narração situada no futuro levanta uma outra característica importante e coerente com a temática de “Por este mundo acima”: A presença do verbo “Ser” no futuro é uma vitória, ainda que escassa e ténue, sobre a morte. E o texto é isso mesmo: uma narração no futuro que encontra os seus alicerces no passado para, com esperança e renovação, continuar a adiar a morte definitiva dos valores culturais do Homem e, por fim, dele próprio.
A morte da memória ou a ignorância invalida a continuação da história. Analise-se a conjugação verbal da seguinte frase: “O homem da gabardina bege terá uma história e eu gostaria que alguém me contasse tudo em pormenor” pág. 93
A probabilidade desce do futuro imperfeito até ao imperfeito do conjuntivo… porque não há ninguém para contar.
 
III
“Voltámos ao princípio e até temos um livro para nos guiar” pág. 157
A reorganização social começa quando Eduardo encontra uma criança: Pedro. E devido ao poder transformador deste personagem, a autora divide o tempo em antes e depois do apocalipse:
“O caos aconteceu quando ele andava pelos quatro anos de idade, quase cinco. Fizera os 8 há dois meses”. Pag.114
Pedro é um recomeço, é um exemplo de generosidade num mundo destruído pela falta de comida, de água, de higiene e falido de cooperação e altruísmo: “Ele parte outra bolacha em quatro, desajeitado, e oferece-me dois pedaços” Pag. 119
Pedro incentiva Eduardo a quebrar o seu medo de convivência, de partilha de um espaço e diálogo com outros sobreviventes. E assim conhecem Miguel, jornalista, que vagueia pela Península Ibérica transportando notícias. Este personagem, aparentemente secundário, tem um papel importantíssimo na história: Ele é o responsável pela interacção entre os povos, pois é ele que transporta as notícias sobre os outros, os sobreviventes. Miguel é o mensageiro (apóstolo?).
“ A sua vida resume-se a ter estado sozinho, a recolher histórias para depois partilhar. Não criou raízes, não se deixou ficar num qualquer outro lugar. Partiu à procura de algo de melhor que possa, um dia, trazer de volta uma certa ideia de humanidade” pág. 161,162
A reorganização vai-se consolidando. Os anos passaram e com eles veio a capacidade da sociedade se organizar. São mencionados progressos em países distantes.
Pedro descobre as caixas com as recordações escritas de Eduardo. A memória de Eduardo sobrevive, através de várias caixas com textos que foi armazenando desde a infância, na interpretação e na memória de uma criança. A memória individual é transmitida, desta forma, para as mãos e memória individual de Pedro. Mas não chega. Era imperativo a sociedade, que tem a força de uma personagem, manter a sua memória colectiva de forma a não repetir os erros do passado:
“ Decidiram passar a biblioteca da avó de Eduardo para um centro cultural, para estar sempre disponível, para ser a memória de todos” pag.180.
Pedro começa a recriar o alfabeto, primeiro passo para a impressão em papel, e, além do livro de Sebastião, outros livros foram escritos e difundidos pela nova sociedade que emergia dos escombros. Miguel, o jornalista, fala com Eduardo sobre a escrita de um novo manuscrito, uma história sobre o presente, a nobreza, onde a linha do Bem e do Mal se distingue (O Novo Livro/Testamento). A revisão do livro foi a última tarefa de Eduardo.
 
- O livro como salvação
 
Na cultura judaico-cristã, como afirma Victor Aguiar e Silva (1990), texto significa obra escrita, o livro, obras religiosas detentoras de autoridade. Na idade média, texto significa a obra do autor, ou seja, obra da pessoa que exerce autoridade. Até ao século XXI, o termo texto não apresenta uma mudança de significado, embora tenha ganhado alguma ambiguidade semântica.
A autoridade emana do livro de Sebastião. É uma obra-prima, segundo Eduardo, e, mais do que isso, é o livro que transporta o passado recente para o futuro. É a continuação temporal, a passagem cultural do que aconteceu antes do acidente. Pedro, já mais velho, é muito céptico em relação a esta hipótese: “Não é um livro orientador, é uma ficção e isso é claro, é uma parábola do tempo em que foi escrito e um achado futurista adequado às circunstâncias» pág. 157
E numa frase simples e ingénua interroga o leitor e o próprio texto: “Voltar ao princípio? Será possível? O que é o princípio?” pag.157
Estamos perante a dúvida a que Steiner, em “Gramáticas da criação”, responde: “Já não temos começos”. Mais: Nas palavras de Pedro, há um reflexo das dúvidas do Homem em relação aos Evangelhos, ao livro orientador e fundador da moral cristã. É no livro de Sebastião, hipotético pilar da refundação social, que incide o debate entre Pedro e Eduardo.
Este livro representa um caminho, individual e/ou colectivo, para o sentimento mais nobre do Ser Humano: Bondade.
“É urgente ensinar a partilhar, Pedro. Para não voltarmos ao mesmo. A Sofia, o Jaime e o Lourenço sabiam o que era bondade. Não por serem bondosos, repara, mas por o saberem distinguir e praticar no dia-a-dia sem se fazerem notar”
Pág. 170

Bibliografia: REIS, Carlos; LOPES, Ana Cristina M. Lopes (2000) “Dicionário de Narratologia”, Coimbra, Almedina, AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de (1990) “Teoria e Metodologias Literárias”, Lisboa, Universidade Aberta.

Mário Rufino


publicado por Patrícia Reis às 14:28
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Sexta-feira, 10 de Junho de 2011

Luis Ricardo Duarte para o jornal de letras

 

Peregrinação futurista

 

Quando ouviu as notícias sobre o terramoto e o tsunami no Japão, há poucos meses, o filho de Patrícia Reis disse-lhe: “Mãe, este é o cenário do teu romance”. E não se enganou. É de um recomeço, depois de uma destruição, que se faz Por Este Mundo Acima. A escritora chama-lhe até uma “peregrinação futurista”, na medida em que projeta num futuro ficcionado os desafios que se colocam à Humanidade de hoje. Na sequência de uma catástrofe, Eduardo tenta refazer a vida e as suas memórias. Quebrados os laços com os amigos, é para dentro que olha, enquanto o mundo lá fora prossegue a luta pela sobrevivência. E só em dois tipos de descendência, um filho que adota e um manuscrito que redescobre, conseguirá dar sentido a uma existência no meio do caos. Uma alegoria com a qual a autora de Antes de Ser Feliz e No Silêncio de Deus aborda a eterna luta entre o bem e o mal. Assim como quem escreve uma carta a um filho.

 

Jornal de Letras: A imagem de uma Lisboa destruída foi o ponto de partida deste romance?

Não. Escrevi este livro para o meu filho mais velho. O meu objetivo era passar-lhe uma mensagem sobre a urgência da partilha e da bondade, abordando também as questões do bem e do mal e dessa coisa maravilhosa que é a amizade.

 

Como surgiu depois a destruição?

Muitas vezes, é nas situações limite que conseguimos ver verdadeiramente estes valores ou como cada pessoa lida com eles. No entanto, o cenário de um mundo destruído, que eu até nem desenvolvo muito, apenas sugiro, sem descrever os pormenores, é apenas uma moldura, a partir da qual as personagens agem e redefinem as suas prioridades. Sem a vertigem em que vivemos hoje em dia, o que se torna essencial? O que é a condição humana? Tornamo-nos bons só porque houve um desastre? Estas são algumas das perguntas que foram aparecendo ao longo da escrita do livro.

 

É uma alegoria?

Gosto de pensar que é uma peregrinação futurista. Já depois de ter acabado o romance, li uma frase muito interessante do Albert Einstein. Perguntavam-lhe como seria a III Guerra Mundial. Ele disse que não sabia, mas que tinha a certeza que a IV seria à pedrada. Ou seja, o desafio da sobrevivência está muitas vezes à espreita. Mas o mais importante de tudo isto são as pessoas e a forma como elas se relacionam.

 

A amizade parece ser um tema que lhe interessa particularmente.

É verdade. A amizade é a melhor forma de amor que existe. Uma forma de partilha única, que não se faz por e-mail ou sms. Implica toque físico e contacto visual. E dedicação.

 

A escolha de um editor para contar o poder da amizade foi intencional?

Foi. Todos os meus livros têm um velho, o que um psicanalista poderia explicar pela marca que o meu tio-avô deixou em mim. Era um grande leitor e foi ele que me ensinou a ler. Do ponto de vista da história, um velho editor permitiu-me estabelecer uma ligação com os livros, que para mim também era muito importante. Como diz David Lodge, mais do que os tratados ou os compêndios de história e de sociologia, os romances são o melhor reflexo do tempo em que vivemos. Acredito, por isso, que a redenção está nos livros. Nem todas as civilizações são iguais, mas todas, sem exceção, contaram histórias.

 

No romance, ressalta também o trabalho ao nível da estrutura.

Que surgiu por acaso. Este foi um livro que demorou três anos a ser escrito e reflete também essa indisciplina. Como não vivo dos livros, roubo tempo para escrever. Vou colecionando as histórias na minha cabeça e depois tento pôr cá para fora. A ideia de fragmento surgiu naturalmente e depois foi trabalhada para equilibrar as várias vozes que vão aparecendo, sobretudo a de Eduardo, o editor, e a do Pedro, a criança. Também porque nunca sabemos tudo sobre nós, sobre os nossos pais, os nossos amigos ou namorados. A vida é um conjunto de fragmentos que reunidos sequencialmente dão uma manta de retalhos que pode ter mais ou menos sentido. Como na ficção, a minha vida também é assim.

 

Dom Quixote, 220 pp, 14,90 euros


publicado por Patrícia Reis às 20:04
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Quinta-feira, 9 de Junho de 2011

do blog papiunlondon.blogspot.com sobre Por Este Mundo Acima por Gabriela Ruivo Trindade













Movemo-nos numa noite escura. Os passos frágeis, à flor da escuridão. O ar irrespirável. Sobrevivemos, e não queremos crer nessa possibilidade. À nossa volta o cenário esmagador da realidade, o cenário da destruição extrema. Percebe-se que aconteceu uma catástrofe nuclear a nível global; porém, os pormenores, os detalhes de tal cenário escasseiam. Apenas a geografia familiar completamente esventrada, exposta na sua estranha crueldade, uma crueza esmagadora. A minha leitura é a de que este cenário é apenas isso: um cenário, um pano de fundo, porque esta viagem é essencialmente interna. Os recantos cheios de sombras, a derrocada, os cadáveres dos edifícios, as bocas de esgoto a deitar por fora, o lixo, o cheiros, o arrepio do medo, estão cá dentro, dentro de cada um de nós, dentro de quem sobrevive todos os dias, e nessa busca desesperada volta à dimensão física, animal, da existência. Porque é no corpo e nas suas necessidades que tudo começa e acaba. É o corpo que é real, e, paradoxalmente, só o compreendemos quando o perdemos ou quando ficamos reduzidos a ele.

A luta pela sobrevivência é assim, passo a passo, segundo a segundo, pulsação a pulsação. É um tempo onde nos movemos sem rumo, sem saber a direcção, sem saber nada. E não há ninguém para perguntar o caminho, ao contrário da parábola da existência da boca e da consequente chegada a roma. É um caminho interno e solitário. Uma luta renhida pela lucidez, que começa nos gestos mais banais. E, ao mesmo tempo, o desespero de preservar a memória. Sem ela morremos de facto. Para um sobrevivente, a morte pode ser um consolo, quase um alívio. Para um sobrevivente, cada movimento dói, uma chaga permanente chamada vida. Mas, em lugar de se render ao abraço da morte, da desistência, ele continua em frente, teimoso, raivoso, numa obstinação que tem tanto de desespero como de instintivo. O animal, a fera em acção. A vida, que afinal se conquista, a deitar as garras de fora.

Percebemos, assim, que o mundo está cheio deles. Sobreviventes. Antes ou depois do acidente, pouco importa. Afinal, o acidente apenas veio definir, exteriorizar, uma catástrofe que se desenhava há muito no horizonte, um cataclismo secular, um poço sem fundo, uma tragédia planetária, que sempre nos acompanhou na vida privada. Agora é posta cá fora, no rosto do mundo. Podemos então olhá-la de outros prismas, conhecê-la, interpretá-la. Não com raciocínios, mas com as emoções à flor da pele. Vemos a busca do sentido. Da memória. Dos livros. Os livros que contam estórias e fazem história. As pessoas de outrora, os amigos, pequenos deuses distantes no paraíso de outra vida, que antes de ser outra era o inferno de todos os dias. O preto transforma-se em branco e o branco em cinzento. Todavia, temos mãos, temos tintas e pincéis, que ficaram da outra vida. É só pegar neles e pintar. A criança que se encontra e nos devolve tudo, de uma assentada, tudo aquilo que julgáramos perdido, tudo o que já não acreditávamos ser possível. Com ela vemos o mundo como se fosse a primeira vez; a destruição passa a ser o cenário primeiro, o ponto de partida; e como mostrar o passado, o que foi destruído, como trazê-lo para o presente, como oferecê-lo às novas gerações? E de súbito, percebemos que o cenário mudou. Abriu-se uma porta, apareceu uma luz, não temos a certeza. O cenário ainda são as ruínas; porém, tudo está diferente. As pessoas falam (as mesmas que antes não falavam, e eram apenas sombras passando ao longe), trocam sorrisos e palavras, trocam coisas; coisas simples, pequenos objectos, e coisas maiores, alegrias, tristezas, estados de alma, e juntas descobrem o poder da partilha, de construir algo em comum. Como se fosse a primeira vez. Assistimos ao renascimento do mundo, da vida, como se a vida fosse uma coisa abstracta, exterior, uma língua estrangeira que precisamos de aprender a decifrar. Experimentamos os sentimentos básicos dessa vida, como quem prova colheres tímidas de sabores desconhecidos: o amor, a amizade, a mulher, o homem, uma criança, um filho, a morte, a raiva, a agressividade, a luta, a coragem, a partilha, o egoísmo, a solidão, a solidariedade, a cumplicidade. O medo, esse, é aquele que já conhecemos de cor, de tanto lhe calçar os sapatos e calcorrear os caminhos. O medo, esse animal que se esconde na toca, encolhido, assustado, e que, ao sentir-se encurralado, se pode tornar gregário, primeiro por desespero, por não ter para onde fugir; depois, e ao perceber, pela primeira vez, um medo igualzinho ao seu no rosto estranho que o olha. E assim nasce aquela flor frágil, a esperança.


publicado por Patrícia Reis às 20:01
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Terça-feira, 7 de Junho de 2011

Na Antena 1 com Ricardo Alexandre

http://ww1.rtp.pt/antena1/index.php?t=Entrevista-a-Patricia-Reis.rtp&article=3797&visual=11&tm=16&headline=13

publicado por Patrícia Reis às 09:55
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Segunda-feira, 6 de Junho de 2011

http://planetamarcia.blogs.sapo.pt/313315.html

Poucas foram as vezes em que um livro me deixou sem palavras. Normalmente fecho a última página cheia de vontade de falar, opinar e discutir. “Por Este Mundo Acima” fez-me pensar em tantas coisas enquanto o li, mas não me permitiu ter uma opinião imediata. Se calhar é um livro a digerir com calma, eu sinto que ainda o estou a “mastigar”.

Difícil é imaginar no que se pode tornar a nossa vida após uma catástrofe. Neste livro é-nos descrito o mundo depois de um “acidente” do qual nunca sabemos pormenores, apenas sabemos que tudo está destruído, que a maioria das pessoas desapareceu, e as que restam procuram caminhos. Caminhos que são percursos do passado, vividos de lembranças e pensamentos, e modos de viver o presente.

Pode parecer estranho mas este livro sugere-me uma palavra: “Tempo”. O tempo que perdemos nas nossas vidas sempre a correr, e o tempo que sobra, com o qual não sabemos lidar nem como preencher quando tudo muda.

Eduardo foi editor e agora vagueia pelos destroços deste mundo desfeito. Procura alimentos, medita sobre todas as coisas que se perderam, na vida que viveu, no carinho dos amigos ausentes. E porque quem procura acaba sempre por encontrar, descobre pistas do passado das pessoas que conheceu, das suas vidas ocultas, das coisas que nunca imaginou porque se calhar nunca olhou para os outros sem ser na correria dos percursos que se cruzam, muitas vezes por acaso. Porque sabemos que nas nossas vidas pouco tempo temos para nós e para os outros, vivemos a pensar no que temos para fazer e no pouco tempo que temos para fazer tudo o que queremos ou nos é imposto. Será preciso uma tragédia para termos tempo para pensar? Para meditar sobre o que perdemos? Será uma lição? Aprender a ter tempo? Aprender a viver verdadeiramente? Concluir que habitamos um planeta super-povoado mas não conhecemos verdadeiramente ninguém?

Nesta fase de desolação Eduardo descobre “O Livro”! Aquele que nunca editou mas que é o melhor de sempre, o que deveria ter chegado a toda a gente. Curiosamente um livro que esteve muito tempo consigo mas que ainda não tinha lido, e agora? Será tarde demais?

Gostei da relação que se desenvolve entre Eduardo e Pedro, um rapazinho que cresce neste cenário de destruição, a quem Eduardo ensina, orienta, pode dizer-se que, dadas as circunstâncias, educa. Passam-se anos assim, tantos que me questiono porque não se reconstruiu tudo? Porque continuam as personagens deste livro a errar no vazio sem sinais de recuperação? Que é feito do poder de recuperação do ser humano?

Bom, um livro que me faz pensar e que me acompanha depois de o ter terminado (mesmo já tendo iniciado outro). Gostei de me deixar levar pela (imensa) criatividade da autora, viajei e vivi nesse lugar, seja lá onde for.

Sem dúvida um ponto de partida para conhecer os restantes trabalhos de Patrícia Reis. Bastante recomendado! Marcante!

Sinopse

“Um cenário de terrível desastre assola Lisboa. Poderia ser em qualquer outro lugar do mundo. Os escombros passam a ser paisagem, a cidade e as relações humanas transformam-se vertiginosamente. Entre os sobreviventes há um homem, um velho editor. Procurando amigos e amores desaparecidos encontra um manuscrito e um rapaz e, neles, a porta para uma outra dimensão da vida.”

Dom Quixote, 2011


publicado por Patrícia Reis às 11:23
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Sábado, 4 de Junho de 2011

A beleza do livro: crónica Expresso edição de 4 de junho

 

Entregar um livro ao público é como levar o filho à escola pela primeira vez: o miúdo já sem fraldas mas ainda com o boneco e, por vezes, a fralda de pano. Fica pendurado na professora e à mercê de uma mão cheia de desconhecidos. Um livro novo, depois de mais de três anos de trabalho, torna-se estrangeiro para quem o escreve, é um território que pode ser lido, interpretado, amado ou odiado. Por quem conhecemos e por todos os outros, potenciais leitores, sem rosto, sem referências que nos confortam.
A seguir, a pergunta central é a de saber: depois de “Por este Mundo Acima” que vou escrever? Devo escolher outro trilho? E será isso uma boa ideia ou pode prejudicar todos os frutos recolhidos? Se escrever é condição e não profissão, uma necessidade ou terapia, para tantos, é ainda um exercício de algum masoquismo, porque nos expomos e não temos certeza de nada. Há, de certa forma, um regresso à insegurança infantil de não se ter a certeza, até porque quando temos a certeza somos apelidados de “convencidos” ou “arrogantes”.
Na Festa da Literatura no Funchal em finais de Maio, primeira edição da responsabilidade dos Booktailors, alguém disse: “Podia ser só uma mulher gira”. Outra presunção? Certamente. Quem é que quer ser apenas uma mulher gira? Ou um homem? Ou até uma criança? Desejamos sempre que a beleza venha de mão dada com a inteligência e o sentido de humor, prática pouco exercitada por estas bandas onde dizer mal é mais fácil do que dizer bem; por isso festejar o sucesso do outro é, desculpem dizer, uma enorme maçada. Como a beleza alheia. Mesmo que a beleza seja de uma tristeza infinita.
Eu encontro beleza nos livros e por isso leio e releio. Gosto de ter amigos que são escritores e outros que não estão sequer interessados em saber o nome do próximo ou anterior Prémio Nobel. Na multiplicidade é que está o ganho. Mesmo que não seja giro.


publicado por Patrícia Reis às 10:05
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Sexta-feira, 3 de Junho de 2011

www.expressoeslusitanas.com

O novo livro da escritora e jornalista Patrícia Reis – ‘Por Este Mundo Acima’ – “coloca em cheque” a forma como nos relacionamos actualmente em sociedade. “Vivemos num mundo demasiado virtual e não damos valor às relações humanas”, referiu a autora ao Expressões Lusitanas.

 

Daniel Pinto Lopes

 

O livro é dedicado ao filho mais velho da escritora (Sebastião) para lhe explicar o “básico”, que são as “outras pessoas e a amizade”, num cenário longe das inovações tecnológicas e da “vertigem absoluta” dos telemóveis, das mensagens escritas e dos ‘e-mails’.

 

“É um livro contra a corrente, porque não é uma história de amor ou semelhante. É sobre pessoas e é sobre estas que eu sei escrever”, indicou Patrícia Reis ao Expressões Lusitanas.

 

O processo de escrita do livro demorou três anos e sete meses. A autora justifica o hiato temporal pelo facto de não ser “escritora de profissão”. “Nem sequer acredito nisso. Apenas tenho vontade e necessito de escrever. É uma forma de terapia”, explicou.

 

A narrativa de ‘Por Este Mundo Acima’ coloca os seus personagens perante uma catástrofe/acidente nuclear. Os sobreviventes serão sujeitos a um “ambiente básico” e de “sobrevivência”, sem acesso a qualquer tipo de tecnologia e no qual se consegue distinguir o “essencial” do “acessório”. “É totalmente o oposto do mundo em que vivemos”, detalha.

 

‘Por Este Mundo Acima’ “põe em cheque” a forma como nos relacionamos. “O livro põe a nu o facto de não partilharmos com os outros aquilo que devíamos partilhar”, observou.

 

A apresentação da nova obra decorreu esta segunda-feira, 23, na livraria Barata, em Lisboa, e contou com a presença de várias personalidades da literatura, como Lídia Jorge, José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto, Inês Pedrosa, entre outras. Na plateia esteve também o ministro dos Assuntos Parlamentares. “Jorge Lacão é um leitor, gosta dos livros e respeita os escritores, independentemente das suas ideologias políticas”, esclarece Patrícia Reis ao Expressões Lusitanas.

 

Ao escritor valter hugo mãe [nome artístico escreve-se com letra minúscula] coube estar ao lado de autora na mesa de apresentação, a fim de dar a sua perspectiva sobre a nova obra. “O livro solicita ao leitor que transforme as relações em algo de prioritário e pretende sensibilizar para um relacionamento menos virtual”, apontou.

 

A edição de ‘Por Este Mundo Acima’ é da Dom Quixote.


publicado por Patrícia Reis às 12:15
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Quarta-feira, 1 de Junho de 2011

Ler na Bertrand - dia 2 de Junho Chiado 18h30

Palavras da Anabela Mota Ribeiro:


Patrícia Reis dedicou a Por Este Mundo Acima três anos da sua escrita. A Cidade de Ulisses marca o regresso de Teolinda Gersão, 14 anos depois. São universos distintos. São duas gerações. São livros que entreabrem a porta para os mundos das duas escritoras. Conversa na Bertrand do Chiado, no próximo dia 2 de Junho, às 18.30.
Ler no Chiado é uma iniciativa da revista Ler e da Bertrand, com moderação de Anabela Mota Ribeiro
 
 
 


publicado por Patrícia Reis às 00:50
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