José Couto Nogueira exibia hoje uma camisa e gravata, um fato completo em tons claros. Tem uma nova turma de escrita criativa e eu lá fui dizer umas coisas sobre esta coisa da escrita. Não deve ter sido um sucesso, logo no início um aluno abandonou a aula e mais tarde tive de cortar a conversar de uma jovem dizendo simplesmente que "concordamos que discordamos". Descrever o processo de escrita não é fácil. Somos pessoas diferentes e leitores distintos ao longo da vida. O facto de ter louvado a ficção científica, que tão importante foi para mim na adolescência, não deve ter sido a melhor surpresa para aquele grupo. Tenho pena, há coisas maravilhosas na ficção científica. Enfim, há sempre a Ursula K. Le Guinn. Falámos da dificuldade da escrita, da edição, da importância do livreiro, dos livros que são destruídos, dos livros que deveriam existir em locais distintos para ajudar a passar o tempo (como no Instituto de Oncologia, para citar um exemplo). Não tenho discursos preparados para estes encontros, não tenho papas na língua e tão-pouco meia dúzia de citações de autores famosos que possam conferir alguma credibilidade. Entrego-me à conversa, mas a verdade é que só quero que me leiam e, quando o fizerem, alguma coisa aconteça: um ponto de luz, uma interrogação, uma identificação, até uma irritação.
No fim, perto das escadas rolantes, uma jovem disse-me que me ajudaria a levar livros para sítios onde eles podem ser lidos. Outra partilhou comigo a experiência da escola alemã onde está ainda a Frau Mascarenhas e a Frau Gram-Moreira. Voltei para casa pelo caminho mais longo.